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Você sabe o que é Antropologia?

Antropologia (cuja origem etimológica deriva do grego άνθρωπος anthropos, (homem / pessoa) e λόγος (logos - razão / pensamento) é a ciência preocupada com o fator humano e suas relações. A divisão clássica da Antropologia distingue a Antropologia Social da Antropologia Física. Cada uma destas, em sua construção abrigou diversas correntes de pensamento.

Pode-se afirmar que há poucas décadas a antropologia conquistou seu lugar entre as ciências. Primeiramente, foi considerada como a história natural e física do homem e do seu processo evolutivo, no espaço e no tempo. Se por um lado essa concepção vinha satisfazer o significado literal da palavra, por outro restringia o seu campo de estudo às características do homem físico. Essa postura marcou e limitou os estudos antropológicos por largo tempo, privilegiando a antropometria, ciência que trata das mensurações do homem fóssil e do homem vivo.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Antropologia

Algumas informações básicas sobre os principais paradigmas e escolas de pensamento antropológico:


Formação de uma literatura “etnográfica” sobre a diversidade cultural

Período: Séculos XVI-XIX

Características: Relatos de viagens (Cartas, Diários, Relatórios etc.) feitos por missionários, viajantes, comerciantes, exploradores, militares, administradores coloniais etc.

Temas e Conceitos: Descrições das terras (Fauna, Flora, Topografia) e dos povos “descobertos” (Hábitos e Crenças).Primeiros relatos sobre a AlteridadeAlguns Representantes e obras de referênciaPero Vaz Caminha (“Carta do Descobrimento do Brasil” - séc. XVI). Hans Staden (“Duas Viagens ao Brasil” - séc. XVI). Jean de Léry (“Viagem a Terra do Brasil” - séc. XVI). Jean Baptiste Debret (“Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” - séc. XIX).

Escola/Paradigma: Evolucionismo Social

Período: Século XIX

Características: Sistematização do conhecimento acumulado sobre os “povos primitivos”.

Predomínio do trabalho de gabinete

Temas e Conceitos: Unidade psíquica do homem.Evolução das sociedades das mais “primitivas” para as mais “civilizadas”.Busca das origens (Perspectiva diacrônica)Estudos de Parentesco /Religião /Organização Social.Substituição conceito de raça pelo de cultura.

Alguns Representantes e obras de referência: Maine (“Ancient Law” - 1861). Herbert Spencer (“Princípios de Biologia” - 1864). E. Tylor (“A Cultura Primitiva” - 1871). L. Morgan (“A Sociedade Antiga” - 1877). James Frazer (“O Ramo de Ouro” - 1890).


Escola/Paradigma: Escola Sociológica Francesa

Período: Século XIX

Características: Definição dos fenômenos sociais como objetos de investigação socio-antropológica. Definição das regras do método sociológico.

Temas e Conceitos: Representações coletivas.Solidariedade orgânica e mecânica. Formas primitivas de classificação (totemismo) e teoria do conhecimento. Busca pelo Fato Social Total (biológico + psicológico + sociológico). A troca e a reciprocidade como fundamento da vida social (dar, receber, retribuir).

Alguns Representantes e obras de referência: Émile Durkheim:“Regras do método sociológico”- 1895; “Algumas formas primitivas de classificação” - c/ Marcel Mauss - 1901; “As formas elementares da vida religiosa” - 1912. Marcel Mauss:“Esboço de uma teoria geral da magia” - c/ Henri Hubert - 1902-1903; “Ensaio sobre a dádiva” - 1923-1924; “Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a noção de eu”- 1938).

Escola/Paradigma: Funcionalismo

Período: Século XX - anos 20

Características: Modelo de etnografia clássica (Monografia).

Ênfase no trabalho de campo (Observação participante). Sistematização do conhecimento acumulado sobre uma cultura.

Temas e Conceitos: Cultura como totalidade.Interesse pelas Instituições e suas Funções para a manutenção da totalidade cultural.Ênfase na Sincronia x Diacronia.

Alguns Representantes e obras de referência: Bronislaw Malinowski (“Argonautas do Pacífico Ocidental” -1922). Radcliffe Brown (“Estrutura e função na sociedade primitiva” - 1952-; e “Sistemas Políticos Africanos de Parentesco e Casamento”, org. c/ Daryll Forde - 1950). Evans-Pritchard (“Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande” - 1937; “Os Nuer” - 1940). Raymond Firth (“Nós, os Tikopia” - 1936; “Elementos de organização social - 1951). Max Glukman (“Ordem e rebelião na África tribal”- 1963). Victor Turner (“Ruptura e continuidade em uma sociedade africana”-1957; “O processo ritual”- 1969). Edmund Leach - (“Sistemas políticos da Alta Birmânia” - 1954).


Escola/Paradigma: Culturalismo Norte-Americano

Período: Séc. XX - anos 30

Características: Método comparativo. Busca de leis no desenvolvimento das culturas. Relação entre cultura e personalidade.

Temas e Conceitos: Ênfase na construção e identificação de padrões culturais (“Patterns of culture”) ou estilos de cultura (“ethos”).

Alguns Representantes e obras de referência: Franz Boas (“Os objetivos da etnologia” - 1888; “Raça, Língua e Cultura” - 1940). Margaret Mead (“Sexo e temperamento em três sociedades primitivas” - 1935). Ruth Benedict (“Padrões de cultura” - 1934; “O Crisântemo e a espada” - 1946).

Escola/Paradigma: Estruturalismo

Período: Século XX - anos 40

Características: Busca das regras estruturantes das culturas presentes na mente humana. Teoria do parentesco/Lógica do mito/Classificação primitiva. Distinção Natureza x Cultura.

Temas e Conceitos: Princípios de organização da mente humana: pares de oposição e códigos binários.Reciprocidade

Alguns Representantes e obras de referência: Claude Lévi-Strauss:“As estruturas elementares do parentesco” - 1949. “Tristes Trópicos”- 1955. “Pensamento selvagem” - 1962. “Antropologia estrutural” - 1958 “Antropologia estrutural dois” - 1973 “O cru e o cozido” - 1964 “O homem nu” - 1971

Escola/Paradigma: Antropologia Interpretativa

Período: Século XX - anos 60

Características: Cultura como hierarquia de significados Busca da “descrição densa”. Interpretação x Leis. Inspiração Hermenêutica.

Temas e Conceitos: Interpretação antropológica: Leitura da leitura que os “nativos” fazem de sua própria cultura.Alguns Representantes e obras de referência: Clifford Geertz: “A interpretação das culturas” - 1973. “Saber local” - 1983.

Escola/Paradigma: Antropologia Pós-Moderna ou Crítica

Período e obra: Século XX - nos 80

Características: Preocupação com os recursos retóricos presentes no modelo textual das etnografias clássicas e contemporâneas. Politização da relação observador-observado na pesquisa antropológica. Critica dos paradigmas teóricos e da “autoridade etnográfica” do antropólogo.

Temas e Conceitos: Cultura como processo polissêmico. Etnografia como representação polifônica da polissemia cultural. Antropologia como experimentação/arte da crítica cultural.

Alguns Representantes e obras de referência: James Clifford e Georges Marcus (“Writing culture - The poetics and politics of ethnography” - 1986). George Marcus e Michel Fischer (“Anthropoly as cultural critique” - 1986). Richard Price (“First time” - 1983). Michel Taussig (“Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem”- 1987). James Clifford (“The predicament of culture” - 1988).

Fonte: http://nant-iscsp.blogspot.com/2005_05_01_archive.html

sábado, 30 de abril de 2011

Antropología contrainsurgente

http://www.jornada.unam.mx/2007/11/02/index.php?section=opinion&article=016a1pol

El 5 de octubre de este año [2007], el New York Times publicó un artículo de David Rohde (“El Ejército enlista a la antropología en zonas de Guerra”), sobre la considerada por los militares estadunidenses como “nueva arma crucial en las operaciones contrainsurgentes”: un equipo integrado por antropólogos y otros científicos sociales para su utilización permanente en unidades de combate de las tropas de ocupación de Estados Unidos en Afganistán e Irak.

El corresponsal informa que este singular involucramiento de las ciencias sociales en el esfuerzo bélico estadunidense constituye un exitoso programa experimental del Pentágono que, iniciado en febrero de este año, ha sido tan recomendado por los comandantes en el teatro de la guerra que en septiembre pasado el secretario de Defensa, Robert M. Gates, autorizó una partida adicional de 40 millones de dólares para asignar equipos similares a cada una de las 26 brigadas de combate en los dos países mencionados. En el mismo artículo se destacan las reacciones críticas de un sector importante de la academia estadunidense que no duda en considerar el programa como “antropología mercenaria” y “prostitución de la disciplina”, comparándolo con lo ocurrido en la década de los 70, cuando se utilizaron antropólogos en campañas contrainsurgentes en Vietnam y América Latina (Plan Camelot).

Ya en su sesión anual, en noviembre del año pasado y con la presencia de cientos de sus integrantes, la American Anthropological Association condenó por unanimidad “el uso del conocimiento antropológico como elemento de tortura física y sicológica”, ante el alegato de que los torturadores de la prisión Abu Ghraib, en Irak, pudieron ser inspirados por la obra de un antropólogo, a partir de la idea de que “hombres árabes humillados sexualmente podrían llegar a ser informantes comedidos”(Matthew B. Standard. Montgomery McFate’Mission. Can one anthropologist possibly steer the course in Iraq? San Francisco Chronicle, April 29, 2007).

En julio de este mismo año, el antropólogo Roberto J. González escribió un excelente artículo (“¿Hacia una antropología mercenaria? El nuevo manual de contrainsurgencia del Ejército de Estados Unidos FM- 3-24 y el complejo militar-antropológico”. Anthropology Today, Vol. 23, No. 3, June 2007) en el que detalla críticamente las contribuciones de antropólogos en la elaboración de dicho manual. González demuestra, incluso, que algunas de estas “contribuciones” no son innovadoras desde el punto de vista de la teoría antropológica y más bien parecen “un libro de texto introductorio de antropología simplificado –aunque con pocos ejemplos y sin ilustraciones.”
La antropología mercenaria estadunidense se caracteriza por la beligerancia y el cinismo con que justifica la estrecha colaboración entre antropólogos y militares en guerras imperialistas y violatorias de los más elementales derechos humanos y los principios fundacionales de la Organización de Naciones Unidas.
Una de sus más aguerridas defensoras y autoras intelectuales es la antropóloga estadunidense Montgomery Macfate, quien se impuso la tarea de “educar” a los militares y cuya misión en los últimos cinco años ha sido convencer a los estrategas de la contrainsurgencia de que la “antropología puede ser un arma más efectiva que la artillería”.
Macfate ignora y le exasperan las críticas de sus colegas en la academia, a quienes considera encerrados en una torre de marfil y más “interesados en elaborar resoluciones que en encontrar soluciones”. Ella es ahora la “comisaría política” de los militares, una de las autoras del citado manual de contrainsurgencia, creadora del programa Sistema Operativo de Investigación Humana en el Terreno, iniciado por el Pentágono, y consejera de la Oficina del Secretario de Defensa. Todo un éxito del American way of life.

En realidad, la participación de antropólogos en misiones coloniales e imperialistas es tan antigua como la propia antropología, la cual se establece como ciencia estrechamente ligada al colonialismo y a los esfuerzos por imponer en el ámbito mundial las relaciones de dominación y explotación capitalistas. Un clásico sobre el tema es el libro de Gerard Leclercq, Anthropologie et colonialisme (Paris: Librairie Artheme Fayard, 1972) que en su introducción asienta: “El nacimiento común del imperialismo colonial contemporáneo y de la antropología igualmente contemporánea puede situarse en la segunda mitad del siglo XIX. Trataremos de poner en evidencia la relación de la ideología imperialista, de la que la antropología no es sino uno de sus elementos, con la ideología colonial, y las razones por las cuales una investigación ‘sobre el terreno’ se hacía necesaria y posible por la colonización de tipo imperialista” (p. 15).

Hay que recordar en México el papel protagónico que jugaron los antropólogos en la elaboración de las políticas indigenistas desde el momento en que Manuel Gamio –padre fundador de la disciplina en este país– definió a la antropología como “la ciencia del buen gobierno”, iniciándose un maridaje entre antropólogos y el Estado mexicano que fue roto en parte cuando el movimiento estudiantil-popular de 1968 creó las condiciones para que las corrientes críticas se manifestaran y denunciarán el papel de complicidad de la antropología mexicana posrevolucionaria en el afianzamiento del colonialismo interno que rompió la rebelión zapatista.

El grotesco maquillaje cultural de la antropología contrainsurgente no cambia la naturaleza brutal de la ocupación imperialista ni ganará la mente y los corazones de la resistencia y de los millones de estadunidenses que se manifiestan de manera creciente contra la guerra.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Antropólogo Ricardo Lima discute desafios para o artesanato


Antropólogo Ricardo Lima discute desafios para o artesanato


Ricardo Gomes Lima é doutor em antropologia e pesquisador do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/Iphan/MinC, onde coordena a Sala do Artista Popular e o PROMOART.* Entrevista concedida ao site "A CASA - museu do objeto brasileiro", em 2010.

Quando a gente propôs a realização da entrevista, você havia falado que já estava cansado de falar sempre a mesma coisa e que não havia mais nada de novo a dizer. Você cansou de falar sobre todas essas questões?
Num certo sentido sim. O peso da definição de uma política pública para o artesanato no Brasil, às vezes faz com que eu me sinta muito um executor, um articulador, um mediador, e me falta tempo de reflexão. E aí eu acho que estou me repetindo, que eu não tenho mais leite nenhum para dar, que eu sequei, que eu só administro as coisas. Tem hora que eu tenho vontade de ter um tempo a mais para mim, para poder ler mais, refletir mais. Nesse sentido, eu acho que estou me repetindo sim. Tem hora que eu acho que não, consigo perceber algumas coisas, mas o sentimento maior é o de repetição, de que esgotou o que eu tinha para falar.
O que é folclore?
Folclore é um conceito criado. Inclusive, e isso é muito interessante, é uma palavra que tem a sua certidão de nascimento, é uma das raras palavras cujo surgimento pode ser datado. “Folclore” surge em 1846 como um termo criado por William John Thoms na Inglaterra. Que outra palavra tem essa certidão de nascimento? Essa tem. John Thoms cria essa palavra para designar uma série de coisas que eram conhecidas como “antiguidades”, “antiguidades populares”, “curiosidades populares”, e não existia um termo para designá-las. Na época dele, no século XIX, quando  você tinha as ciências se constituindo em determinados campos, havia uma série de coisas que ficavam relegadas. Não era bem a literatura, não seria medicina, não seria história, era uma série de historinhas, de receitinhas, de ditos populares, de narrativas, que o povo usava. E ele propõe, então, que se reúna tudo isso – saberes do povo, conhecimentos do povo, formas de expressão do povo – e se chame de “folclore”. Assim ele cria esse termo que passa a ser empregado durante muito tempo para designar uma série de práticas e de conhecimentos, saberes praticados pelo povo no mundo todo. O folclore surge como esse campo de estudos, não uma ciência – como eu havia dito, se perdeu o bonde das ciências –, porque, na verdade, o folclore era uma área de interesses da qual qualquer um podia se apropriar. Tem folcloristas que são médicos, folcloristas que são advogados, que são literatos etc., cada um tem a sua carreira e todos eles se apropriam desse universo para fazer os seus estudos. Como folclore, isso persiste durante muito tempo, mas, como também é um conceito histórico, tem um determinado momento em que isso muda. Surge outro termo, que se dizia mais progressista, mais avançado, chamado “cultura popular”. “Folclore” passa a ser visto como uma visão conservadora da história ou do povo, enquanto “cultura popular” seria uma forma mais avançada, que também, em determinado momento,  se esvazia. Hoje já surgiu um terceiro nome, que quase é sinônimo ou semelhante a tudo isso, que é “patrimônio imaterial”. No Brasil, assume-se quase como sinônimo. Quando você fala em patrimônio imaterial, você está falando das concepções da cultura popular em si, daquelas formas de viver e pensar o mundo específico das camadas populares, suas formas de expressão e manifestação.
O que significa inserir o adjetivo “popular” ao lado de termos como “cultura” ou “arte”? A condição material dos indivíduos define o aspecto de sua produção cultural e artística? Faz sentido diferenciar arte erudita e arte popular?
Essa é uma das questões mais espinhosas com que eu lido. A definição do que é o popular não é fácil, não é uma questão vencida, ultrapassada, é um conceito que nos escapa sempre. É popular um determinado gênero de música brasileira. Você define como “música popular brasileira” porque ela está num gosto médio ou bastante disseminado pelo total da sociedade. Mas quando você fala que determinada coisa é popular, você também pode estar dizendo que ela não é erudita, que ela se opõe ao erudito. Então tem hora que ela é popular porque ela é muito aceita pela coletividade; tem hora que ela é popular porque ela se opõe ao erudito; tem hora que ela é popular porque ela vem do povo, e aí povo pode ser uma concepção generalizada, ou seja, o povo brasileiro, ela é de todos – nesse sentido, quando se fala em povo brasileiro, você não está fazendo distinção entre povo e elite, e todos os brasileirosse incluiriam nessa categoria. Mas tem hora em que se opõe esse popular à elite brasileira. Você está falando de um povo que se opõe à elite quando você pensa povo versus elite. Ou seja, esse conceito é muito confuso e, por mais que a gente tenta aprendê-lo, ele está sempre escapando da nossa mão por algum lado. Feito água. Na verdade, ele não é um conceito científico. Durante muito tempo, pretendeu-se excluir coisas, separar nitidamente: isso é popular em oposição ao isso é erudito. E é sempre um esforço, a meu ver, fadado ao fracasso, porque a realidade se mostra muito mais penetrável pelas coisas do que separada assim em gavetinhas estanques. Tendo a pensar muito mais esse universo do popular como um campo de encontros, de mediações, de intersecções, e acho que não estou sozinho nisso, muita gente vem pensando o popular como um espaço de interpenetração. Estive há pouco tempo aqui em São Paulo, na mostra Puras Misturas, no Ibirapuera, e acho o tema de uma felicidade total. As misturas são puras também, não são contaminadas, não são impuras. Você pode ter misturas, miscigenações, que sejam puras, e ali você tem esses exemplos. Ali você tem o exemplo, que eu acho que é perfeito, do desenho do Niemeyer, do arco para Brasília, e que, de repente, está presente também nas lameiras de caminhão, nos gradis das casas de subúrbios, nas fachadas. Como é que tudo isso se contamina? São os populares que se apropriam de um desenho erudito, de um arquiteto – o Niemeyer –, e fazem isso ficar de uso quase coletivo pelo Brasil todo. Há muitos exemplos como esse. A exposição Puras Misturas mostra também o oposto: você vê uma cadeira dos irmãos Campana toda recoberta de bonequinhas de Esperança, na Paraíba, e você passa por uma outra boneca de pano que está numa vitrine, também de um designer contemporâneo altamente erudito. Ou seja, essas coisas estão circulando na realidade e os indivíduos estão bebendo nisso, se apropriando, incorporando. Hoje em dia, tenho visitado comunidades altamente populares, pelo interior do Brasil todo, que já absorveram odesign como uma característica da sua realidade. Muitos falam para mim: “A gente está chegando à conclusão de que o nosso artesanato não tem design”. Isso é uma incorporação altamente nova e revela que a realidade não pode ser pensada em termos de “popular” e “erudito”, separando esses mundos. “O meu artesanato não tem design”. O que é isso? Essas exclusões não existem na realidade.
Como você e o Museu de Folclore Edison Carneiro / Sala do Artista Popular enxergam as interações entre design e artesanato? Temos a impressão de que esta era uma das instituições mais resistentes ao assédio do design sobre o artesanato. Hoje, isso mudou?
Não, não mudou. Quando se dá isso que foi a sua expressão – o “assédio” dos designers sobre o campo da produção popular – essa impressão é verdadeira, verdadeiríssima. Eu me coloco radicalmente contra essa forma de chegar a essa realidade, assediando, desrespeitando, ou fazendo aquilo que a Janete Costa falava sempre: ao invés de estar interferindo, está ferindo. Eu e a instituição em que trabalho nos colocamos contra a atitude de ferir essas comunidades. Tenho visto barbarismos sendo cometidos pelo país todo em nome do gosto, da estética, do bom design. Ao mesmo tempo em que se fala que possuem um valor cultural extremo, transformam essas comunidades brasileiras em mera mão de obra da concepção do designer, que acha que tem a primazia do gosto, a primazia da forma, a primazia da estética. Eu vou me colocar sempre contra esse tipo de designer, mas isso não significa que eu seja contra o encontro do design com o artesanato. Eu sou contra interferência que fere princípios. Por exemplo, a comunidade quilombola de Muquém, em Alagoas, que produz uma cerâmica maravilhosa, uma expressão fortíssima, tem uma mulher chamada Irinéia, que modela umas cabeças de barro que te permite um estudo de penteados afro desde o Brasil escravocrata até hoje. Tenho o relato de uma pessoa que pede a intervenção de alguém para evitar o que estava acontecendo ali, que era a chegada de um designer que pede para que Irinéia execute figuras de Branca de Neve e anões para botar em jardim, dizendo que o mercado iria pagar muito bem por essas figuras. Isso é de uma violência cultural enorme e eu não posso me calar quando eu ouço um relato desses, quando sei que há um caso desses acontecendo. É contra esse mau designer que eu venho brigando muito. Não sou contra o encontro do design com o artesanato, mas sou contra essa postura elitista, desavergonhada, de se lidar com as camadas populares, com todo o saber que essas comunidades têm. Sou capaz de levar a noite toda fazendo um grande discurso e te dando muitos exemplos pelo país. Mas também posso te dar muitos exemplos de relação de respeito com as comunidades, de abordagem dessas comunidades pelodesigner que não está chegando ali para dizer que ele tem a primazia do pensar e do gosto, e que o popular tem apenas a destreza das mãos e vai executar muito bem aquilo que ele pensa. O designer é o representante da elite brasileira e, na história desse país, sempre coube à elite pensar e ao povo fazer. A gente vem se batendo contra a repetição desse modelo histórico, pois eu acredito que essas coisas são o patrimônio imaterial do país.
Você citou a Janete Costa. Embora ela não acreditasse no fim do artesanato, ela já disse que estava muito mais preocupada com a qualidade de vida do artesão do que com o artesanato em si, ou seja, se o artesão elevar sua condição social e o artesanato acabar, tudo bem. Nesse sentido, digamos que o designer que sugeriu que fossem feitas Brancas de Neve e anões para jardim tivesse razão e Irinéia, vendendo mais, elevasse seu padrão de vida. Caso uma transformação desse tipo melhorasse as condições de vida de artesãos que vivem na pobreza extrema, situação muito comum no país, não seria o caso de considerar essa possibilidade?
É uma questão difícil de raciocinar, porque ela vira quase que uma questão humanística. Vamos pensar em outro exemplo. No Rio de Janeiro e nas grandes cidades, há populações faveladas, de baixa renda, correndo risco de vida. Transformá-los em traficantes pode ser a solução para estas pessoas, mas nem por isso eu vou justificar a importância do tráfico como estratégia de vida para elas. É um exemplo extremo, mas a gente pode pensar nele também. Não estou dizendo que fazer Branca de Neve seja o mesmo que estar envolvido com o tráfico, mas acho que nos permite pensar a questão. Na verdade, acho que, colocada dessa maneira, é uma falsa questão. Há solução de vida para o artesão sem que se destrua o artesanato. Você não precisa acabar com o artesanato para que essa pessoa sobreviva. Ao contrário, o campo do artesanato tem se mostrado, por tudo o que tenho visto, como uma grande estratégia de sobrevivência para o artesão – para a pessoa, para o indivíduo. Reforçar esse artesanato de cunho identitário tradicional – e tradicional aí não significa essa coisa rançosa, estagnada no tempo, parada, mas tradicional no sentido de serem coisas que tenham um lastro cultural, um sentido, um significado cultural grande para as pessoas que fazem – pode ser a grande saída e tem se revelado uma grande saída. Então acho que essa questão é muito falsa – “eu quero salvar o homem mesmo que o artesanato morra”. Tenho observado que o artesanato é uma estratégia de sobrevivência para esse homem.
Você deu um grande exemplo de interferência danosa. Que tipo de interferência é aceitável e deve ser incentivada?
Basicamente, o design surgiu para pensar soluções para a indústria. É isso que faz com que surja todo esse universo: “vamos repensar o objeto industrial”. No Brasil, vejo que o design vem se afastando bastante desse campo da indústria e abarcando muito o campo do artesanato, cujo processo de feitura é outro, é bastante diferente. Me preocupa o seguinte: o campo do design se pensando muito a partir da forma. Enquanto forma, eu acho que os objetos tradicionais são perfeitos. São objetos testados geração após geração e funcionam muito bem, com uma forma, muitas vezes, aperfeiçoada pelo tempo. Às vezes, o que ocorre é que a função está com problemas e o objeto se mostra totalmente defasado no tempo, ou porque ele não tem mais a serventia que tinha – com o Brasil cada vez mais eletrificado, o artesão de lamparinas, candeeiros de querosene etc., não consegue mais vender o seu produto –, ou porque ele tem problemas de constituição de matéria-prima interna, como, por exemplo, os jarros d’água de Irará, em que você punha água e vazava tudo – isso eu citei num daqueles trabalhos do Artesanato Solidário. Aquele vaso, a meu ver, tem uma forma perfeita, ele foi concebido e aprimorado pelo tempo, mas a função dele, que é a de conter água, está perdida. Aí são dois espaços em que eu acho que o design pode atuar. Um é na solução dessas questões, quando a função do objeto já não está mais sendo atendida. O outro campo não é no trabalho do artesão em si, mas naquilo que cerca a comercialização do artesanato. Esse é um campo onde o designer pode ocupar um espaço primordial. Por exemplo, você tem uma comunidade que tradicionalmente fazia a sua louça de barro e que consumia localmente ou que, no máximo, vendia na feira para o mercado regional. Hoje essa comunidade, para sobreviver, tem que vender para um mercado nacional muito mais amplo, mas ela não dispõe das soluções de transporte, pois nunca passou por essa necessidade. Ela vendia sua louça ali na casa da “dona Fulana”, ou as artesãs vendiam na porta de suas casas. Agora a gente quer que ela venda em São Paulo. Como é que ela exporta para lá? Acho que cabe, ao campo do design, pensar essas soluções de transporte, de embalagens, de identidade e identificação para essas peças, de tags, etiquetas etc. É um campo em que o design pode atuar nessa concepção conjunta com o artesanato sem ferir, sem entrar na questão da forma do objeto artesanal.
designer que está preocupado com geração de renda, que está preocupado com esse homem pobrezinho que precisa ser ocupado como mão de obra, pode trabalhar com muitas populações de baixa renda espalhadas pelo Brasil. As instituições assistencialistas que estão preocupadas com isso, que peguem as populações de baixa renda – milhões – e trabalhem com designers lá. Por que tem que entrar nas comunidades onde já tem uma tradição? É para se apropriar de uma mão de obra adestrada? Pegue aí uma população de favela que não tem tradição e vá ensinar a fazer bordado, ao invés de se apropriar do saber que é do outro e assinar embaixo botando sua etiqueta: “by fulano de tal”, “coleção fulano de tal”. Crie efetivamente, crie. A favela da Maré, no Rio de Janeiro, está criando tradição de objetos artesanais a partir do zero. Aquela população não produzia artesanato nenhum e, no entanto, hoje, cada vez mais, há panelas, potes, uma série de objetos artesanais feitos dentro da Maré e ganhando mercado. Isso eu acho perfeito, que o designer queira se ocupar dessas populações e desenvolver objetos artesanais.
Mas, realmente, eu fico meio indignado quando vejo essa outra condição, em que se pega uma população que tem um saber tradicional imenso e, chegando ali, distribui: “Olha, você vai fazer isso, isso e isso”. O designerdá os modelos daquilo que ele quer que seja feito, para sair premiado como grande indivíduo que concebeu aquela coleção para aquela população. Aí é outra questão.
A respeito da comercialização de artesanato e da arte popular, há relatos de casos em que o intermediário que comercializa a obra ganha muito mais do que os próprios artistas e artesãos que a produziram. Lembro-me de uma época em que você era um crítico ferrenho dos intermediários. Mais recentemente, você tirou um pouco o pé do acelerador das críticas e fez uma espécie de mea culpa, reconhecendo a importância desses atores. Gostaria que você falasse do intermediário sob esses dois pontos de vista: a necessidade que o artesão tem dele e o lucro exacerbado de alguns sobre o trabalho alheio.
É, eu tirei o pé do acelerador. Deixa-me explicar isso daí. No meu primeiro discurso radicalmente contra, eu nem usava a categoria “intermediário”, era “atravessador”. “Atravessador” é aquele que atravessa um processo. Ele não está fazendo mediação, ao contrário, ele se coloca no meio, ele impede a mediação. Eu continuo contra o atravessador, mas consegui perceber que existe outra figura que é o mediador, que faz a mediação entre essas coisas. Hoje em dia, eu não sou contra o mediador, ao contrário, ele é uma figura da maior importância na cadeia da comercialização. O artesão que produz a panela de barro, lá no interior, não tem condição de sair e comercializar. Então cabe a uma outra figura, que é esse intermediário, o lojista, o comerciante, fazer o papel de pegar essa panela e botar em contato com o mercado consumidor, nessa atitude ética de ser um mediador. Não estou dizendo que ele não deve tirar o lucro dele, ele tem que ter um lucro, ele tem que ter um ganho, porque ele também é um elo dessa cadeia de produção. Mas eu sou contra o atravessador, sou contra o indivíduo que comercializa o artesanato ou a arte popular e que, por exemplo, raspa a assinatura do indivíduo que fez aquela escultura, retira e assina outro nome no lugar para que ninguém descubra quem é que fez. E isso acontece no Brasil a rodo! Isso continua a acontecer hoje. Eu tenho exemplo disso acontecendo em Alagoas nesse momento. Isso eu chamo de um atravessador. Eu sou contra aquele indivíduo que paga R$500,00 pela tela de um artista popular e vende a R$10.000,00. Eu não acho que esse lucro seja justo. Por que? Porque ele está fazendo isso em cima de uma espoliação do outro. Pague um preço justo para o produtor e depois tire o lucro que quiser. Há a questão do preço justo, do fair trade, do mercado justo. Eu defendo isso, acho que tem que ter dignidade para lidar, isso com todo o universo, contra qualquer exploração de mais valia exacerbada, que deixa de ser mais valia e vira uma exploração mesmo. É contra esse tipo de postura que eu me coloco. Eu acho que qualquer comerciante tem que ter seu lucro, senão ele não tem como sobreviver com o negócio dele. Muitos artistas brasileiros de uma importância extrema vivem, praticamente, em condições de indigência. Há pessoas como, por exemplo, Noemisa Batista, uma artista fenomenal de Caraí, Vale do Jequitinhonha. Quanta gente ganhou dinheiro e está ganhando dinheiro à custa da Noemisa? Vai lá visitá-la e veja as condições de quase indigência em que ela vive. Uma artista cujas peças são comercializadas nas lojas de arte e estão custando um absurdo vive naquelas condições?! Essa coisa no Brasil é muito perversa, tem que ter um basta. Vou gritar sempre contra isso. Por outro lado, qualquer pessoa que se coloca como mediador nessa cadeia produtiva pode ter certeza que eu vou estar de braço dado nesse trabalho, farei o que eu puder e não critico. Mas se aparecer um atravessador, procurarei me atravessar no caminho dele. É só essa questão.
Normalmente, quando se tem um grupo mais fragilizado dentro da população, as relações de poder existentes dentro dele acabam passando despercebidas. Isso ocorre, por exemplo, entre comunidades de artesãos. Embora pouco se fale sobre isso, há casos em que, dentro de uma comunidade, um pequeno núcleo controla toda a produção e, por meio de uma série de estratégias, priva o acesso à produção ou às vendas às outras pessoas da comunidade. Você lida com esse tipo de problema? Como você enxerga essa questão?
Sim, a gente se depara com isso sempre. Esse chamado “popular” ou “artesão” está inserido nas relações da sociedade como um todo, e a exploração perpassa de cima a baixo. Nós tivemos exemplos no Brasil escravocrata de ex-escravos que tinham seus escravos. Ou seja, esse modelo perverso de exploração é geral. Quando a gente fala em uma comunidade produtora de artesanato ou a comunidade dos artesãos, a gente tende a pensar esse grupo como um grupo homogêneo, todos irmãos, todos irmanados. A própria concepção de comunidade traz isso: a idéia de comunhão, de irmandade etc. Quando você entra nesses grupos, percebe que isso não é verdade, que os grupos se constituem como grupos de pressão, de poder, indivíduos ou famílias etc. Quando eu mergulhei naquela comunidade do Candeal, no norte de Minas Gerais, e fui trabalhar com eles, vi que não era uma comunidade homogênea. Era um grupo de pessoas que se relacionavam principalmente a partir das relações de parentesco e, ali dentro, você tinha famílias que se estruturavam em redes de aliança para garantir o mercado da produção da louça de barro. Então era uma ceramista com suas filhas, às vezes a irmã, a cunhada, que constituíam um grupo, versus uma outra ceramista, com suas filhas, sua mãe, sua cunhada, que era outro grupo. Cada um tentava deter uma fatia do mercado, senão o mercado todo. É assim em diversos lugares. Isso está em Goiabeiras, em Vitória, onde eu estive no fim de semana, trabalhando com as paneleiras. Trata-se também de uma comunidade toda fracionada, e ali quase chega a ser indivíduos lutando uns contra os outros para garantir melhor fatia do mercado, tentando vender as suas panelas para o turista que está chegando. É só essa visão de fora que pode pensar que a comunidade seja homogênea e irmanada. Na verdade, são grupos de interesse que brigam por fatias do mercado. Por isso a grande dificuldade de se implantar um modelo de associativismo junto a essas comunidades no Brasil. São raríssimas as experiências que eu conheço onde associações foram bem sucedidas, porque, antes de formar a associação, esses grupos se constituem como grupos de parentesco, de compadrio, de amizade, grupos de religião. Hoje em dia, a questão dos evangélicos no Brasil é extremamente séria, constituindo quase uma guerra santa. As paneleiras de Goiabeiras vivem isso. O grupo das paneleiras evangélicas exerce uma pressão imensa para não permitir que o grupo das não-evangélicas comercialize suas panelas dentro da associação. Não é nada diferente das baianas de acarajé em Salvador – mudando para um outro tipo de artesanato, o artesanato gastronômico. Acarajé é chamado de bolinho de Iansã. É um “bolo de fogo”, faz parte de todo o contexto do orixá Iansã. Surgiu em Salvador um grupo de baianas evangélicas que não querem fazer o bolinho de Iansã, então elas criaram o bolinho de Jesus, o acarajé de Jesus. A banca delas é diferente, tem uma bíblia em cima, aberta. Elas comercializam o bolinho de Jesus, numa guerra enorme contra o bolinho do demônio, que é o acarajé tradicional, o bolinho de Iansã. Ou seja, esses grupos têm suas lutas, seus poderes, e isso está presente, porque é absorvido da sociedade como um todo.
Você falou das paneleiras de Goiabeiras e lá há um grande problema que é a ameaça de esgotamento do barro – embora as artesãs não acreditem muito nisso. No Brasil central, artesãos que fazem a viola-de-cocho estão tendo que substituir os materiais – então ao invés de usar tripas de animais, são obrigados a usar fio de nylon; a madeira que produz um som melhor já não pode mais ser cortada etc. Como lidar com todas essas questões contemporâneas? Como as comunidades estão se resolvendo?
Essa é uma questão bastante séria, porque é a questão dos recursos renováveis, do acesso às matérias primas. Junto às comunidades produtoras de barro, a questão é muito difícil, porque nós sabemos que a argila não é uma fonte inesgotável, uma hora vai acabar, mas essas comunidades não acreditam nisso. Por mais que você diga que tem que se racionalizar o uso, que não pode desperdiçar o barro, que ele vai acabar, essas pessoas olham para você e dizem assim: “Que louco que é ele, que bobo!”. Como dizem as mulheres de Apiaí, aqui em São Paulo: “Barro é encante, ele dá encantado debaixo da terra e, com a mudança de lua, ele cresce, vai se criando barro ali embaixo”. As mulheres de Goiabeiras, em Vitória, têm a mesma concepção: “O barro não vai acabar nunca, ele brota do chão, do dia para a noite ele brota”; “a gente vai lá e tira o barro, deixa lá e, com o tempo, ele vai aflorando”. Aflorando não é a palavra que elas usam, mas dizem: “ele brota da terra, aquilo é interminável”. E olham para você como se você fosse um ignorante, um burro que não sabe isso, pois, afinal, a mãe dela sempre tirou barro dali, a avó dela sempre tirou, geração após geração as pessoas sempre tiraram barro ali, nunca acabou e nunca vai acabar. Quer dizer, essa questão está presente, a crença de que aquilo é inesgotável.
Outros recursos estão desaparecendo. As madeiras, por exemplo. Hoje em dia há uma consciência ecológica muito maior de que você não pode sair cortando madeira como bem te interessa. Então é preciso fazer o quê? É uma questão de educação patrimonial sobre essas coisas. É preciso ter planos de manejo, é preciso trabalhar junto, mas com categorias, com princípios, que permitam a essas populações realmente apreender. E aí eu não acho que seja repressão, não acho que seja de cima para baixo, a gente tem que encontrar as palavras-chave para causar essas mudanças de concepção. Se vamos conseguir, eu não sei. Eu acho que é uma das áreas mais difíceis de você lidar. É a mesma concepção de lidar com gente com a questão da água, a dificuldade de fazer as pessoas entenderem que a água, também, um dia vai acabar, de que o banho deve ser de cinco minutos debaixo do chuveiro, de fechar o chuveiro quando vai se ensaboar. É mudar hábito, e é difícil isso tudo. Eu acho que não tem uma fórmula de como fazer isso, mas acho que é uma questão seriíssima. As violas-de-cocho do centro-oeste, que você cita, no passado as cordas eram feitas com tripa de bugio. Hoje em dia foi transferida para corda de nylon. É por consciência? Não só, é porque o bugio acabou, não tem mais bugio para matar, para tirar tripa para fazer corda. Então se introduziu a corda de nylon. Mas eu garanto que os mestres cururueiros e de siriri de lá são saudosos do som que a viola tinha quando a corda era de tripa de bugio.
Queria que você falasse um pouco do aspecto simbólico dos objetos, que transcende sua a própria função, e de seu caráter de mercadoria. Para isso, irei citar um pequeno trecho do livro Caminhos da Arte Popular do Vale do Jequitinhonha, da Ângela Mascelani. “Existe o estímulo ao desenvolvimento do artesanato regional como uma forma de geração de renda contínua e efetiva, sobretudo entre parcelas das populações rurais e das periferias urbanas (...) que reforça o seu aspecto de mercadoria e de certa forma encobre os seus conteúdos simbólicos e culturais”.
Eu estou me sentindo extremamente cansado, esgotado para pensar essa questão toda, mas vamos lá. Acho que o legal é fazer desses objetos mercadorias sem que eles percam sua função simbólica, o conteúdo simbólico, porque é isso que dá valor a esse objeto artesanal de cunho cultural que a gente tem no Brasil.
É preciso educar o mercado?
Uma coisa é isso, eu sempre defendo isso. Assim como você educa o artesão para o mercado, você tem que educar o mercado para o artesanato. O artesanato não é mera mercadoria, como você tem ali na loja, na indústria, que te produz aquilo. Artesanato tem um caráter muito grande de símbolo, de significado – significado para quem faz e que deve ter para quem consome. E aí, nesse sentido, a relação que o consumidor deveria ter com esse objeto é a mesma relação que teria com a arte. Você não transforma a arte simplesmente numa mercadoria que você compra a metro ali e o artista tem que te entregar aquele objeto, como você quer e no dia que você quer. Você encomenda e fica muito orgulhoso no dia em que ele apronta o quadro para você. Eu gostaria de pensar o artesanato um pouco por aí, e não como mercadoria que a máquina faz. Agora, que ele guarda símbolos, é verdade. Eu cito sempre a frase do Carlos Rodrigues Brandão, de que “pote serve para guardar água, mas flores no pote servem para guardar símbolos”. Servem para guardar lembranças, memórias... Você compra aquele pote e, toda vez que você olha para ele, você lembra quem fez, onde é que você comprou, em que viagem você estava, com quem você estava, bate a saudade daquele lugar, daquela viagem etc. “Para isso existem flores nos potes”, diz ele. Eu concordo perfeitamente com isso. Essa é a carga simbólica dessas coisas. Então esses objetos são mercadorias, sim, porque eles estão no mercado, eles estão em relações de compra e venda, mas muitos deles trazem essa marca. O que mais eu poderia te dizer sobre essa questão do símbolo? Secou, está vendo? Aí eu fico me repetindo. É a sensação de não ter mais nada para falar.

por Rodrigo Maurício última modificação 12/04/2011 20:47